A sustentabilidade é a capacidade de satisfazer as nossas necessidades no presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades.
A sustentabilidade depende da resolução de grandes problemas, muitas vezes causados pela atividade humana – a degradação dos recursos naturais, os níveis elevados de desigualdades sociais e de pobreza, e a falta de ética de gestão corporativa não nos permitem assegurar às gerações futuras as oportunidades e qualidade de vida que ainda possuímos.
Historicamente, está provado que o desenvolvimento centrado nos valores económicos, à custa da saúde ecológica e da equidade social, não resulta numa prosperidade duradoura. Da mesma forma, o desenvolvimento não se pode centrar isoladamente nos valores ambientais ou sociais. Um desenvolvimento sustentável é o que nos permite harmonizar a preservação do ambiente natural com a coesão social e com a prosperidade económica.
Preservar os rios é ser sustentável:
Na dimensão Ambiental, porque os rios
– são essenciais à sobrevivência das espécies e à manutenção das paisagens naturais
– são factores chave para a mitigação dos efeitos das alterações climáticas e do declínio das espécies, os grandes problemas ambientais da atualidade
– são dos habitats naturais mais ameaçados no planeta
– porque um terço das espécies de água doce estão em risco de desaparecerem para sempre
Na dimensão Social, porque os rios promovem o bem-estar humano – neles podemos conviver, deles obtemos diversão, prazer e relaxamento. Deles obtemos a água doce que bebemos, deles obtemos os peixes de água doce que comemos (enguia, salmão, truta e muitos outros). Em muitos lugares, os rios são ainda verdadeiras estradas, que nos permitem chegar de um lado para o outro. Aos rios estão ligadas muitas tradições, envolvendo não só as atividades profissionais ligadas aos rios, como a própria gastronomia tradicional.
Na dimensão económica, os rios são uma mais-valia pelas suas paisagens únicas, pelas suas condições únicas para a prática de turismo de natureza e atividades recreativas, pela sua riqueza cultural e natural, pelos produtos e serviços de ecossistemas que deles podemos retirar.
Estudo global apela aos governos para que intensifiquem os esforços de manutenção para evitar falhas, transbordamentos ou fugas
De acordo com a investigação global, em 2050 a maioria das pessoas viverá a jusante de uma grande barragem construída no século XX, estando muitas aproximar-se dos limites da vida útil para a qual foram concebidas.
Para evitar o potencial de falhas, sobrecargas ou fugas, as barragens exigirão uma manutenção crescente, e algumas poderão ter de ser retiradas de serviço. Muitos governos não se prepararam para estas necessidades, alertam os autores de um estudo realizado pela Universidade das Nações Unidas.
O volume de água armazenada em grandes barragens estima-se entre 7.000 a 8.300 km cúbicos; o suficiente para cobrir 80% da massa terrestre do Canadá, num metro de água. Uma boa manutenção pode assegurar que uma barragem, bem projectada, possa durar 100 anos sem causar problemas, mas muitas das grandes barragens actuais foram construídas muito antes de os riscos da crise climática se tornarem claros.
A alteração dos padrões de precipitação e os acontecimentos climáticos mais extremos têm colocado as barragens sob tensões que não foram previstas pelos que as projectaram, disse Vladimir Smakhtin, director do Instituto da Água, Ambiente e Saúde (UNU), no Canadá, e co-autor do estudo. “A crescente frequência e gravidade das inundações e outros eventos ambientais extremos podem ultrapassar os limites de concepção de uma barragem e acelerar o seu processo de envelhecimento”, disse Smakhtin.
As falhas nas barragens arriscam a vida das pessoas que vivem a jusante, e as barragens envelhecidas deveriam ser investigadas para avaliar a ameaça, mas as falhas em grande escala provavelmente continuariam a ser raras, afirmaram os autores do artigo. Uma ameaça mais provável é que, mesmo sem acidentes graves, os países dependentes de grandes barragens como reservatórios e para a hidroeletricidade, possam enfrentar problemas se as barragens não forem adequadamente mantidas para fazer face às alterações climáticas.
“Este é um risco emergente”, disse Smakhtin. “Não há uma catástrofe imediata a nível global, mas existem 60.000 grandes barragens espalhadas por todo o mundo, e nenhuma delas está a ficar mais jovem”.
A crise climática significou que as grandes barragens em todo o mundo deveriam ser reavaliadas, disse Duminda Perera, um investigador sénior do instituto e autor principal do estudo. “Grandes inundações e as mudanças de precipitação podem estar para além da capacidade destas estruturas, e podem causar um maior risco de colapso”, afirmou.
Uma questão comum é que chuvas mais intensas podem provocar a erosão dos cursos de água a montante, e as cheias aumentam os detritos e sedimentos que fluem para as barragens, causando uma acumulação de sedimentos.
A maioria das grandes barragens do mundo estão concentradas num pequeno número de países – nove em cada 10 estão localizadas em 25 países. A China tem a maior parte, com quase 24.000 grandes barragens, enquanto muitas outras se encontram na Índia, Japão e Coreia do Sul. Quase metade do volume mundial dos rios é já afectado por barragens, e a maioria das grandes barragens existentes foram construídas entre 1930 e 1970, com uma esperança de vida prevista de 50 a 100 anos.
Existem cerca de 16.000 grandes barragens com idades entre os 50 e 100 anos na América do Norte e Ásia e 2.300 que têm mais de 100 anos. Desde o ano passado, mais de 85% das grandes barragens nos EUA estavam a funcionar com, ou para além, da sua esperança de vida. O custo estimado da sua reabilitação é de cerca de 64 mil milhões de dólares (aproximadamente 60 mil milhões de Euros), de acordo com o relatório.
Quando o desmantelamento é necessário, os governos irão enfrentar problemas complexos. Poucas grandes barragens foram desmanteladas até à data, pelo que há poucos exemplos com os quais se possa aprender. “É difícil dizer quantas podem precisar de ser desactivadas”, disse Perera. “É muito específico de cada contexto, dependendo da idade e da condição – diferentes barragens envelhecem a um ritmo diferente”.
No último dia de 2021 foi aprovada em Portugal a nova lei de bases do clima. Por força dessa lei, pela primeira vez são aplicados ao clima dois conceitos de grande importância: o conceito de património da humanidade e o conceito de diplomacia climática. Esta lei obriga o Estado português a desenvolver ações diplomáticas junto das Nações Unidas com vista ao reconhecimento daquilo que Portugal já reconheceu: que apesar de o clima não pertencer a ninguém, muitas atividades simples, do dia-a-dia (desde andar de carro até acender a luz, e ligar o aquecedor ou o ar condicionado) podem prejudica-lo. Que o clima deve ser protegido para as gerações futuras e essa é uma responsabilidade de todos: do governo, das empresas, das organizações e de todos nós, como cidadãos eco responsáveis.
Qual a relação entre o clima e os rios?
Primeiro, as alterações climáticas estão a alterar os nossos rios. Os rios têm cada vez menos água, o que os torna mais vulneráveis à poluição relacionada com águas residuais urbanas, com fertilizantes agrícolas, com efluentes industriais.
Segundo, os rios também fazem parte do património da humanidade. Tal como o clima, os rios não pertencem a ninguém e os Estados são apenas guardiães desse património. É a Diretiva europeia da água que o afirma: a água não é um bem como os outros, a água é um património.
Terceiro, os rios são ecossistemas frágeis, que são afetados por atividades como captação de água para irrigação, construção de barragens para produção de energia elétrica, emissão dos já mencionados efluentes e pela expansão progressiva de espécies invasoras.
Estes fatores de desequilíbrio para os rios devem ser objeto de medidas de controlo que só fazem sentido se forem desenvolvidas ao longo de todo o curso do rio, e por toda a bacia hidrográfica. Ora, considerando que os maiores rios portugueses são rios internacionais, partilhados com Espanha, é imprescindível haver uma articulação entre as entidades dos dois lados da fronteira para, através da colaboração recíproca, se reforçar a capacidade de combate aos fatores de risco e o conhecimento das melhores técnicas de adaptação às alterações climáticas.
Os rios podem ter dois nomes (Miño/Minho; Limia/Lima; Duero/Douro; Tajo/Tejo) mas são um rio só cujas águas fluem pelo território dos dois estados e vão “sofrendo” com as atividades que afetam o seu caudal, a qualidade da água, as espécies piscícolas e outras espécies fluviais ao longo de todo o trajeto. Os efeitos das atividades lesivas, junto à nascente, fazem sentir-se mais tarde, junto à foz. Os efeitos das atividades prejudiciais ao longo de uma margem, prejudicam também a outra margem.
O ambiente não conhece fronteiras, e os rios também não. Temos que protege-los por nós, pelos nossos filhos, e pelos nossos netos e bisnetos.
No meu Rio sinto a vida que corre, sinto o pulsar do meu coração, como se ele e eu fossemos um só. Respiro na água que corre entre as pedras, ele é o meu pulsar, ele que me limpa a Alma e refresca o corpo. Ele é vida! Ele sou eu!
O meu rio é o Mondego. Muitas pescarias quando era novo, muito eu nadava e mergulhava naquelas águas. Excelente iniciativa, por favor protejam os nossos rios!
Na decáda de 80, sim. do século passado, dei o meu primeiro beijo numa ponte sobre o Rio Lima. O mais estranho é que me lembro do beijo e não me recordo do moço!
A construção de uma barragem tem grandes impactos ecológicos, causando a diminuição da biodiversidade e a destruição de habitats, o que por sua vez, contribui negativamente para as alterações climáticas. Por outro lado, tem também impactos sociais e económicos relevantes: construir barragens implica investimentos elevados que não se têm refletido em benefícios sociais e económicos para as populações locais.
A seca que vivemos atualmente vem exatamente demonstrar estes pontos, realçando que de nada nos serve construir novos locais de armazenamento se escasseia a água que podem armazenar.
A posição assumida pelo GEOTA nos últimos anos é de que a aposta em alternativas com grande dependência dos recursos hídricos, seja no contexto das barragens hidroelétricas ou de regadio, não só tem impactos ecológicos irreversíveis, como também diminui a capacidade de resiliência às alterações climáticas.
A nível estratégico, não consideramos ser viável, principalmente numa situação de emergência climática, apostar em atividades que necessitam de elevados consumos hídricos, a gestão destes recursos deve-se compatibilizar com as metas definidas pelas estratégias europeias, como o Pacto Ecológico Europeu e a Diretiva Quadro da Água. Estes instrumentos direcionam-nos para a necessidade de promover rios livres de barreiras, para formas de agricultura mais sustentáveis e menos dependentes dos recursos hídricos e para a preservação dos ecossistemas e da biodiversidade.
Em Portugal, 74% da água é consumida pelo sector agrícola. Para além da dependência excessiva da água, o uso inadequado do solo leva à degradação dos recursos hídricos e a uma maior suscetibilidade para eventos de seca como o que estamos a atravessar, cenário que se tem vindo a agravar no contexto das alterações climáticas.
Há uma profunda falta de articulação entre políticas de agricultura e estratégias de conservação e restauro de ecossistemas, e há uma necessidade enorme de se passar a seguir diretrizes europeias que promovem o restauro dos ecossistemas fluviais, e não a sua degradação, e a transição para formas de agricultura mais sustentáveis, que utilizem menos água, e não impliquem a construção de barreiras.
O valor da água para a agricultura e para a sobrevivência humana é imensurável!
Numa perspetiva puramente economicista, o governo português, através da aposta no regadio e na agricultura em modo intensivo, vai contra as diretrizes europeias como o Green Deal, a estratégia Farm to Fork (do Prado ao Prato), a Diretiva Quadro da Água e a Estratégia Europeia para a Biodiversidade, que são inequívocos na urgência de preservar os ecossistemas e a biodiversidade e de desenvolver sistemas agroalimentares sustentáveis.
Ao invés do investimento em políticas agrícolas que vão contra uma estratégia de futuro para preservação da água, seria importante que o país assegurasse a manutenção dos recursos hídricos em estado natural, através do investimento em práticas agrícolas mais sustentáveis, adaptadas às condições ecológicas, com uma menor pressão hídrica, promotoras da regeneração dos solos e das culturas de sequeiro. As grandes culturas intensivas que hoje predominam nos perímetros de rega no Alentejo, como o olival e o amendoal, são responsáveis pelo consumo de grandes quantidades de água, sem impactos positivos significativos a nível social.
Os apoios existentes na agricultura deveriam ser preferencialmente canalizados para projetos de agricultura sustentável que garantam a eficiência hídrica e preservem a biodiversidade e a sustentabilidade da vida. Neste ponto, é de notar que agricultura sustentável não é necessariamente biológica, e que nem toda a agricultura biológica é sustentável. De facto, existem várias formas de agricultura biológica, algumas das quais destroem os solos e têm um uso excessivo de água.
De acordo com o “Resumo Não Técnico Questões Significativas da Água”, “Plano de Gestão de Região Hidrográfica do Tejo e Ribeiras do Oeste” (RH 5ª) (APA, 2019):
A construção nos cursos de água de inúmeras estruturas transversais (ex. açudes e barragens), de características diferenciadas e dirigidas a diversas funções e utilizações do meio fluvial altera o regime hidrológico e condiciona, por vezes de forma determinante, a dinâmica natural dos ecossistemas ribeirinhos e, consequentemente, o estado das massas de água que as suportam. Uma das medidas de minimização dos seus efeitos é o lançamento de caudais ecológicos, com o objetivo de satisfazer as necessidades dos ecossistemas aquáticos e ribeirinhos – (APA, 2019; Rivaes et al. 2016, p. 2)
A necessidade de implementação de um regime de caudais ecológicos justo para Portugal é fundamental. A Declaração de Brisbane assinala que o Regime de Caudais Ecológicos:
Fornece os fluxos de água necessários para sustentar os ecossistemas de água doce e estuarinos em coexistência com a agricultura, a indústria e as cidades
É pois essencial o investimento no estabelecimento de caudais ecológicos regulares, contínuos e instantâneos, medidos em metros cúbicos por segundo (m3/s), e respeitando a sazonalidade das estações do ano, ou seja, maiores no inverno e outono e menores no verão e primavera, por oposição aos caudais mínimos negociados politicamente e administrativamente há 23 anos na Convenção de Albufeira sem se concretizar o processo de transição para o regime caudais ecológicos que essa mesma Convenção prevê.
Fundamental apostar na cooperação transfronteiriça, para que os 2.700 hm3 de caudal mínimo anual seja enviado por Espanha com a regularidade necessária à sociedade e ao meio ambiente português. A Convenção de Albufeira prevê a definição de caudais ecológicos desde a sua assinatura em 1998, mas desde essa altura tem-se, efetivamente, mantido em vigor um regime de caudais mínimos, o qual deveria ser transitório.
No âmbito das intervenções de Restauro/Reabilitação fluvial, e de acordo com a proposta apresentada pela Comissão Europeia para vincular juridicamente os objetivos de Restauro Ecológico (EU Restoration Law) que ajudará a aumentar a biodiversidade, a mitigação e adaptação às alterações climáticas bem como prevenir e reduzir os impactos das catástrofes naturais, é considerado essencial:
– O investimento em intervenções de engenharia natural, promovendo a utilização de espécies autóctones e a conservação ou recuperação de serviços de ecossistemas ecológicos, sociais e até económicos;
– Promover a remoção de barreiras obsoletas que impedem o fluxo longitudinal de água, sedimentos e espécies aquáticas, através da implementação de programas de “Remoção de Barreiras” como os que existem por toda a Europa e mundo (Dam removal).
Em Portugal, mais de 8 mil barreiras, sendo uma grande parte destas obsoletas e sem uso, impedem a conectividade fluvial. As barragens e barreiras à conectividade fluvial perturbam o funcionamento natural dos ecossistemas ribeirinhos e causam declínios de larga escala não só nas populações de peixes, mas também em outros táxons. Por esta razão, as barragens e barreiras que são obsoletas ou que não são usadas devem ser removidas, permitindo aos rios retomar o seu estado natural, em que correm livremente, pois estes providenciam serviços vitais quer para o ambiente e a toda a biodiversidade, quer para a espécie humana!
A Estratégia Europeia para a Biodiversidade 2030 apresenta metas de restauro ecológico para os ecossistemas, importantes para a biodiversidade e o clima, destacando-se a importância de zonas húmidas, florestas e ecossistemas marinhos, assim como de rios, de forma a aumentar a sua conectividade.
Neste sentido, a Comissão Europeia estabeleceu a restauração de pelo menos 25 000 km de rios através da remoção de barreiras obsoletas e da recuperação de ecossistemas ribeirinhos, como meta a alcançar no âmbito da Estratégia Europeia para a Biodiversidade 2030.
Importa ainda referir que apesar das operações de reabilitação fluvial integrarem as estratégias definidas no Relatório do Orçamento de Estado, a Proposta de Orçamento não contempla, diretamente, em nenhum artigo, esta questão e tampouco considera o seu financiamento.
Portugal tem mais de 8000 barragens ou barreiras à conectividade fluvial. Para um leigo, com a seca e falta de água previstas com as alterações climáticas, pode parecer que o armazenamento de água em barragens constitui um ponto positivo para combate às mesmas. Na verdade, a ciência mostra-nos que as barragens têm na verdade um efeito negativo nas alterações climáticas, libertando gases de efeitos estufa, destruindo sumidouros de carbono, retirando os nutrientes dos ecossistemas, destruindo habitats e a sua biodiversidade associada.
As barragens também criam um potencial de inundação face aos episódios de chuva intensa previstos com as alterações climáticas, pondo vidas em risco (como aconteceu na Europa há poucos meses atrás) e colocando os governos e a indústrias em posições financeiras difíceis.
Em Portugal, vários projetos de investimento, relacionados com a construção de barragens hidroagrícolas, estão planeados para os próximos anos. O GEOTA sugere que estes não avancem ou sejam repensados, dados os seus irremediáveis impactos sociais e ambientais.
O Programa Nacional de Regadios é uma iniciativa do Governo, apresentada em 2018, que visa criar mais de 90 mil hectares de regadio até 2022. É financiado através do Programa de
Desenvolvimento Rural (PDR 2020), pelo Banco Europeu de Investimento (BEI) e pelo Banco de Desenvolvimento do Conselho da Europa (CEB), com um investimento público de 534 milhões de euros. O investimento será feito maioritariamente na região do Alentejo, tendendo a desenvolver e replicar o modelo de agricultura intensiva praticada no perímetro de rega do Alqueva e noutras regiões do território continental, e tem a expectativa de criar cerca de 10 mil postos de trabalho.
As preocupações começam na escolha dos locais para este investimento. Embora o Alentejo seja, sem dúvida, uma potência no sector, é errado investir milhões de euros em modos de produção intensivos, como acontece hoje em dia com o olival e o amendoal intensivos, culturas dominantes no perímetro de rega do Alqueva, ocupando 61% e 14% da área total de regadio, respetivamente.
O Programa Nacional de Regadios irá expandir o modelo de agricultura intensiva e os problemas a esta associados para outras geografias. Ainda mais, a aposta neste modelo acarreta demasiadas incógnitas e impactos cumulativos potenciais, que devem ser estudados através de uma Avaliação Ambiental Estratégica, tal como recomendado na legislação nacional e comunitária, de forma a assegurar que os usos previstos são adequados aos recursos hídricos existentes.
Ao invés, o Programa Nacional de Regadios assenta na criação e reabilitação de infraestruturas de armazenamento e distribuição de água, desempenhando aqui as novas barragens um papel primordial, em prejuízo da indispensável conservação dos habitats e biodiversidade. Outro impacto negativo e pouco divulgado, que advém do elevado número de barragens existentes, mais de 8 000, é a retenção de sedimentos nas albufeiras, reforçando os processos de erosão da orla costeira e consequente exposição do litoral ao aumento do nível médio do mar.
Os defensores do regadio afirmam que precisamos de água para expandir os sistemas de produção agrícola nacionais. Por outro lado, segundo o Plano Nacional da Água, o setor agrícola é, de longe, o maior consumidor de água, representando mais de 70% do consumo total. É também neste sector que existe maior desperdício de água, de acordo com o Plano Nacional para o Uso Eficiente da Água, que indica existir um desperdício de 38%. Importa referir que, ainda que seja invocada com frequência a necessidade de garantir a autossuficiência alimentar do país, esta estratégia não se parece traduzir diretamente no acesso universal a uma nutrição adequada pela população, havendo défices crónicos de produção de alimentos fundamentais, como leguminosas, de baixo interesse económico.
Com base nesses dados, o governo português deveria investir na redução do consumo de água, pensando em modos de produção alimentar que sejam mais adequados às condições ecológicas do território, em espécies e variedades mais adaptadas aos nossos solos e ao nosso clima, na procura de soluções mais eficientes de armazenamento de água, como a retenção de água no solo e a criação de charcos, na utilização de águas residuais tratadas, e até no incentivo do consumo de produtos alimentares com menor pegada hídrica pelas comunidades urbanas, garantindo o acesso a um adequado provimento dietético.
A criação de novos empreendimentos hidroagrícolas é considerada uma medida necessária para minimizar os efeitos das alterações climáticas, nomeadamente para nos prevenirmos da seca e da escassez de água. No entanto, ecossistemas saudáveis são indispensáveis para a adaptação às alterações climáticas, e os rios em bom estado ecológico desempenham um papel fundamental, enquanto refúgios climáticos e no equilíbrio dos ciclos de nutrientes e sedimentos, bem como na preservação da biodiversidade. A destruição de habitats e de biodiversidade, ribeirinhos e terrestres, que a construção destes empreendimentos acarreta, acaba por ser um fator que nos vai afetar negativamente, deteriorando a qualidade da água e expondo-nos ao aumento das variações sazonais provocadas pelas alterações climáticas. Por outro lado, ainda que o acesso a água pelo sector agrícola seja um requisito, importa referir que a principal ameaça à viabilidade económica de 90% das explorações do país, de dimensão inferior a 20 ha, é a dificuldade em escoar a produção a preços considerados justos pelos produtores.
O governo afirma que o “programa criará mais de 10 mil postos de trabalho permanentes, ajudando a fixar populações, criando riqueza e melhorando as condições de vida no interior”. Apesar desta declaração, a taxa de empregabilidade dos locais mais afetados pela expansão do regadio não tem vindo a aumentar, uma vez que os postos anunciados parecem ser ocupados quase exclusivamente por trabalhadores de fora das localidades, que se sujeitam a condições de trabalho pouco interessantes para as comunidades locais.
Em conclusão, levanta-se assim a questão sobre se será o Programa Nacional de Regadios um investimento devidamente estudado, na medida em que o desenvolvimento do setor até à data parece não bater certo com o objetivo inicial de desenvolver grande parte da agricultura e promover o desenvolvimento rural em Portugal.
Todos os anos, são investidos milhões de euros para repor areais, restaurar praias e dunas, bem como construir paredões e outras estruturas pesadas para proteger localidades que já se encontram ameaçadas pelo avanço do mar. No entanto, cimentar a nossa costa com estruturas em betão como resposta à perda de praias não é solução para o verdadeiro problema que existe a montante: a construção desmedida de barragens.
Existem mais de 8 000 barragens e açudes nos rios portugueses e, segundo um estudo da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), elaborado no âmbito da Rede Douro Vivo, coordenada pelo GEOTA – Grupo de Estudos de Ordenamento do Território, mais de 1 200 encontram-se na bacia do Douro. Muitas destas barreiras, não só estão obsoletas, como estimativas da UTAD apontam para que cerca de 25% das existentes na região do Douro estejam abandonadas. É certo que a erosão costeira está relacionada com a subida do nível médio do mar, mas, em grande parte, é também causada pelas inúmeras interrupções no curso natural dos rios, que impedem o transporte de sedimentos até à foz. Mesmo construídas a centenas de quilómetros de distância das praias, as barreiras têm um impacto muito grande no que diz respeito à sua preservação.
Na região do Douro o impacto é direto, com um decréscimo de cerca de 85% dos sedimentos que, naturalmente, iriam afluir à orla costeira. Se tomarmos como exemplo as praias do Furadouro e de Espinho, vemos que há um problema muito significativo de erosão da orla costeira, que pode a prazo levar ao seu desaparecimento. Isto porque a existência de um elevado número de barragens contribuiu para que milhões de toneladas de areia não chegassem à costa ao longo dos anos.
Isto leva-nos a concluir que, em Portugal, existe um grande desconhecimento, não só da sociedade civil, mas também do Estado, acerca dos nossos rios. Nomeadamente, sobre o impacto cumulativo da existência de tantas barragens e dos impactos ambientais que daí decorrem, o que, a longo prazo, não permite garantir uma gestão adequada dos recursos hídricos, nem a sustentabilidade económica, social e ambiental dos empreendimentos. E, quando falamos em impacto ambiental, não falamos apenas do desaparecimento das praias, mas também na descontinuidade dos ecossistemas ribeirinhos, na perda da biodiversidade e da integridade dos habitats, sendo que as barragens são responsáveis por ameaçar de forma direta ou indireta várias espécies nativas, algumas ameaçadas, como a águia-real, o lobo-ibérico, a lampreia ou a enguia.
Neste sentido, é urgente o restauro fluvial dos cursos de água degradados e a suspensão da construção de mais barragens sem utilidade comprovada. É urgente alertar os portugueses para a necessidade de ajudarem a evitar que as praias, onde vão habitualmente com as suas famílias e que são um bem natural único e acessível a todos, desapareçam, dando espaço à construção de empreendimentos exclusivos ou estruturas artificiais de proteção da costa. Como é que as pessoas se sentiriam se perdessem a praia onde mais gostam de ir?
Para combater estes problemas, é fundamental definir um conjunto de medidas. Estas passarão, no plano energético, pela promoção da eficiência energética e de fontes de energia renováveis alternativas, como a fotovoltaica, e, para a produção alimentar, de modos de produção agrícola menos intensivos em água e de sistemas alternativos de armazenamento e utilização de água, como a retenção de água nos solos, a criação de charcos e a utilização de águas residuais tratadas, ao invés da construção de mais barreiras. Já ao nível da preservação dos habitats e da biodiversidade, seria necessário proceder ao restauro dos ecossistemas ribeirinhos, através da remoção sistemática de barreiras obsoletas, da definição e garantia de caudais ecológicos e, for fim, através da criação de um estatuto de proteção permanente de rios e troços de rios livres, garantindo as funções ecológicas que desempenham. Neste sentido, estamos neste momento a recolher assinaturas para submissão de uma Iniciativa Legislativa de Cidadãos ‘Rios Livres’ na página da Assembleia da República, que irá complementar a legislação de ambiente existente.
Tanto o Estado como a sociedade civil têm, assim, um papel fundamental na consciencialização relativamente ao tema das barragens e quais os impactos associados. É por isso que apelamos a que os portugueses participem ativamente na proteção dos rios e das praias portuguesas, intervindo com a assinatura por uma nova lei e impedindo a criação de “novas paisagens” indesejáveis.
Os rios e os estuários são as veias do planeta e os berços das civilizações, que floresceram junto a linhas de água, essenciais vias de transporte e fonte de energia, onde os solos eram mais férteis e em que o acesso à água permitia o consumo e a rega. São autoestradas de vida selvagem, corredores ecológicos que asseguram um continuum naturale essencial à conexão entre habitats e à manutenção da flora e fauna.
Mas a simbiose entre pessoas e o meio foi sendo substituída pelo domínio humano dos recursos naturais. A industrialização da agricultura e a construção de açudes e barragens, enquanto infraestruturas de controlo de caudais e depósito de água, foram decisivos para a melhoria da qualidade de vida humana. Contudo, hoje, o impacte da poluição difusa, causada por fertilizantes e pesticidas, com a estagnação da água em sucessivas barragens ao longo dos rios, oferece o caldo certo para a degradação da qualidade da água.
A urgência para descarbonizar a produção energética levou à aposta em renováveis (Zarfl 2015), sendo a hidroelétrica a principal a nível mundial. Mas, apesar de ser considerada renovável, acarreta profundos impactes negativos. As barragens eliminam o “livre trânsito” de um rio, modificam o regime de caudais e de temperaturas e fragmentam os habitats (Zarfl 2015). Adicionalmente, não são uma fonte de eletricidade climaticamente neutra, já que as suas albufeiras emitem metano, um poderoso gás de efeito de estufa, no processo de decomposição da matéria orgânica (Wehrli 2011).
Destacam-se também o colapso de espécies de peixe migratórias e a sua contribuição para a erosão costeira (Wehrli 2011). A retenção de sedimentos impede o seu natural transporte e posterior deposição na linha de costa. O impacte cumulativo de várias barreiras é responsável pela retenção de mais 25 % das areias a nível mundial (Vörösmarty, 2000). Esse quadro piora no caso Português, em que os principais rios chegam de Espanha. Estima-se que as barragens hidroelétricas e hidroagrícolas das bacias hidrográficas que desaguam em Portugal são responsáveis pela retenção de mais de 80% da areia que outrora era transportada (Valle, 2014).
Muitos países começam a optar por alternativas, já que calculam o seu verdadeiro custo, ao incluir o cálculo da remoção. Com o aproximar do fim do ciclo de vida de uma barragem, acresce um problema de segurança e a solução mais custo-eficaz é frequentemente remover barreiras obsoletas. Os EUA já o fizeram em mais de 1 700 casos (American Rivers, 2020) e em Espanha mais de 200, entre 2006 e 2016 (WI & CIFEF, 2016). A organização Dam Removal Europe tem mapeado essas remoções na Europa.
A magnitude dos impactes demonstra a importância da gestão dos recursos hídricos à escala da bacia hidrográfica. Envolver todas as partes interessadas na construção de um modelo de governança, assente na capacitação e no conhecimento, permite gerir bens e evitar conflitos. Reconhecendo a importância dessa abordagem, surgiu em 2018 a Rede Douro Vivo, uma parceria multidisciplinar de cientistas, ambientalistas, juristas e especialistas em educação e participação pública. O motor desta iniciativa foi o desconhecimento: como estão os nossos rios? Onde se localizam as mais de 7 000 barreiras em Portugal? Ou, porque ainda se projetam barragens no Douro?
Liderada pelo GEOTA, em parceria com a ANP|WWF Portugal, o CEDOUA, o CIBIO, o CIMO-IPB, o CITAB-UTAD, a FCT-UNL, a Rede INDUCAR, IUCN-Med, a LPN e a Wetlands International, a rede foca-se na criação e comunicação de conhecimento científico, na capacitação das partes interessadas e na advocacia por melhores políticas energéticas, agrícolas e ambientais.
Desde 2018, trabalhamos com as comunidades na promoção de uma gestão integrada dos recursos hídricos, desenvolvendo um quadro legal e uma matriz de critérios para o desmantelamento de barreiras obsoletas. E num estatuto de proteção de rios livres. Lançámos, em 2019, a Estratégia Energética para Salvar Rios, comprovando ser possível atingir a neutralidade carbónica sem recorrer a combustíveis fósseis ou a novas barragens. E este ano lançaremos o primeiro mapeamento de barragens, bem como de nichos de biodiversidade que importam preservar, na bacia do Douro.
Hoje, o nosso diagnóstico indica que a sustentabilidade dos rios e do planeta carece de um cardiologista especializado em despoluir e desbloquear as artérias da vida na Terra. E a ciência já nos deu a receita para a cura.
Foi recentemente noticiado pela comunicação social que o Ministério Público e a Autoridade Tributária levaram a cabo buscas em instalações da EDP e da Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Estas diligências decorrem das investigações ao negócio da venda de seis barragens da EDP a um consórcio liderado pela ENGIE, por suspeitas de fraude fiscal. É mais um episódio de uma longa sequência de negócios pouco claros envolvendo grandes barragens, em prejuízo do erário público e com danos ambientais e sociais severos.
O caso tem antecedentes nos Contratos de Aquisição de Eletricidade (CAE) em 1996, substituídos em 2004 pelos Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual (CMEC). Estes contratos concedem benefícios aos produtores de eletricidade, a pretexto da garantia de segurança da produção — mas em condições que foram muito além do necessário para garantir essa segurança, como aliás foi denunciado por múltiplos responsáveis e mereceu mesmo uma comissão parlamentar de inquérito.
Este processo viria a ser conhecido como as “rendas elétricas”. O episódio mais degradante desta longa série é a promoção injustificada das grandes barragens. Refira-se que Portugal dispõe de cerca de 250 grandes barragens, a maioria construídas entre os anos 50 e os anos 90 do século XX. Hoje em dia, novas grandes barragens são desinteressantes:
– Primeiro porque não são rentáveis, por motivos técnicos e climáticos; segundo porque geram impactes negativos crescentes, sociais e ambientais (desaparecimento da agricultura e do turismo locais, destruição de ecossistemas raros e ameaçados, degradação da qualidade da água, retenção de areias, entre outros).
Em 2004 foi aprovada a barragem do Baixo Sabor (EDP), em grosseira infração da legislação nacional e comunitária de conservação da Natureza e avaliação de impactes. Em 2007 foi criado o Programa Nacional de Barragens (PNBEPH), prevendo a construção de 10 novas grandes barragens.
Estas barragens iriam produzir apenas 0,5% da energia do País, a um custo 2 a 3 vezes superior à média do mercado — um negócio sem qualquer interesse público, só possível graças à subsidiação involuntária das empresas elétricas pelos consumidores, imposta pelo Estado. Mal concebido e sofrendo de conflitos permanentes, o PNBEPH viria a ser cancelado em 2019, tendo sido apenas concluída a barragem de Foz Tua (EDP) e estando atualmente em construção o Sistema Electroprodutor do Tâmega (IBERDROLA).
Todas estas barragens provocam impactes danosos, quer nas populações vizinhas quer no Ambiente. O caso mais mediático foi o da barragem de Foz Tua, que implicou a desativação da extraordinária linha do Tua, com o consequente empobrecimento da economia local e do ecossistema. Em todos estes casos, ficaram por cumprir parte das medidas de mitigação de impactos, que já eram muito insuficientes face à gravidade das consequências.
Podemos exemplificar com o desprezo pela acessibilidade no Vale do Tua (EDP) e os conflitos com as populações locais no Alto Tâmega (IBERDROLA). Em conclusão, independentemente de eventuais responsabilidades ao nível fiscal ou criminal, a venda das barragens da bacia do Douro é forma de a EDP descartar responsabilidades por medidas de mitigação e compensação não cumpridas, livrando-se simultaneamente de empreendimentos sem interesse financeiro. Podemos presumir que a motivação da Engie não é económica (estas barragens não são rentáveis), prendendo-se possivelmente com a opção de acrescentar ao seu portfólio uma fonte de energia rotulada como “renovável” — uma classificação tecnicamente errada, porque a água é renovável, mas os ecossistemas destruídos pelas albufeiras não. Talvez a Engie ignore estes factos, ou simplesmente não se preocupe com tais questões.
É verdadeiramente lamentável que o Estado Português pactue com este tipo de negócios. “Energia renovável” não pode ser uma palavra mágica para autorizar qualquer barbaridade.
No European Rivers Summit 2021, realizado em Lisboa – a maior cimeira europeia sobre os rios – vários especialistas debateram as alternativas que existem à construção de barragens para produção de energia hidroelétrica, e soluções para restaurar e proteger os rios, apontando exemplos de sucesso que comprovam os benefícios, a nível nacional e internacional. Em acordo, todos os oradores destacaram que as barragens hidroelétricas são um mecanismo que impacta gravemente os ecossistemas de água doce, tendo um benefício mínimo, comparativamente aos efeitos negativos que provocam.
Para Pao Fernández Garrido da World Fish Migration Foundation, a existência de 1.2 milhões de barreiras ecológicas na Europa, que obstruem os rios e o seu natural decurso, põe em causa a biodiversidade e a sobrevivência dos peixes migratórios, sendo que mais de mil espécies precisam urgentemente de proteção.
Ao dar a conhecer projetos como o “Amber”, programa de ciência cidadã no qual as comunidades podem mapear as barreiras dos rios europeus através da app “Barrier Tracker”, e o movimento “Dam Removal Europe”, (que já permitiu que fossem retiradas quase 5 mil barragens na Europa), Pao Fernández Garrido sublinhou que o problema da remoção de barragens “não é a falta de investimento, porque esse existe, é exclusivamente a vontade política”.
Por sua vez, Mathias Kondolf, professor da Berkeley University, deu a conhecer vários projetos de sucesso onde rios presentes em áreas urbanas sofreram processos de renaturalização, a fim de os tornar livres e repletos de biodiversidade.
Em Munique, o rio Isar, o canal foi alargado para 90 metros e foi adicionado cascalho, ao mesmo tempo que foram retiradas rochas que o dividiam e desta forma o rio tornou-se dinâmico, com formas naturais, ganhando bancos de cascalho para usufruto quer da população quer da vida selvagem. Matias Kondolf sublinhou que “sempre que for possível, dê espaço ao rio e deixe-o em paz”, garantindo que desde que este seja fluído, tenha sedimentos e espaço para se movimentar, é o ‘melhor designer de restauração’.
Dragana Mileusnic, da The Nature Conservancy, deu a conhecer o trabalho da sua organização, que defende a proteção das terras e dos rios em mais de 70 países, envolvendo 400 cientistas e 3.600 conservacionistas. Na Europa, a prioridade da ONG está na região dos Balcãs Ocidentais.
A ação desta ONG passa pela prevenção, para impedir impactos adversos, proteção através da implementação de projetos nos locais, e restauração, pela remoção de barreiras nos rios. Foi referido no caso da prevenção, o exemplo da Croácia, onde estão a promover o potencial de desenvolver energias renováveis como a solar e a do vento, que são ainda pouco utilizadas. Relativamente à remoção de barragens, conseguiram, em parceria com a WWF Adri, remover a primeira barreira na região no rio Vezišnica, em Montenegro.
João Joanaz de Melo, professor e investigador da FCT da NOVA e em representação do GEOTA, focou a sua apresentação nos impactos e nas alternativas à construção de barragens, referindo que existem alternativas às barragens hidroelétricas.
Baixo Sabor e o Tua, foram rios impactados pela construção de barragens, deixando de ser espaços de lazer e de ecoturismo e de grande valor económico. No caso da Barragem do Baixo Sabor, foi necessário cortar várias árvores para que estas não emitissem posteriormente, ao decompor-se, metano. Outros dos efeitos negativos foi a perda de campos agrícolas e o desaparecimento do solo – que leva séculos a recuperar, alertou o especialista.
Os maiores impactos resultantes destas barragens apontados foram a destruição dos ecossistemas, através da profunda mudança da paisagem e da identidade da região e pelas perdas económicas dos habitantes locais. As alternativas passam pelo uso mais eficiente da energia, pela substituição energética por fontes como a solar, a eólica e a geotermal, pela criação de novos conceitos e de uma sociedade mais sustentável, e pela mudança dos hábitos da população, para um estilo de vida conscientemente ecológico.
Pedro Teiga, especialista na recuperação dos rios, alertou para a necessidade das populações compreenderam a linguagem dos rios.
“Existem 429 mil quilómetros de linhas de água em Portugal e todas elas têm uma linguagem própria”, no caso de Portugal, é preciso reformular a legislação e adicionar novas leis, mas também necessário cumprir as leis existentes para os rios. Sublinhou o facto que um dos problemas no país é que os rios são privados, ou por proprietários ou pelos próprios Municípios em áreas urbanas. Pedro Teiga deu a conhecer a E.RIO, que desde 2010 tem desenvolvido vários projetos de reabilitação de rios em Portugal, através de técnicas de engenharia natural e com a participação das comunidades. A sua intervenção já contemplou 90 Municípios, envolvendo mais de 10 mil participantes, numa extensão de mais de 700 quilómetros. Por fim, destacou a criação do PERLA – Planos Estratégicos de Reabilitação de Linhas de Água, (onde estão inseridos a Lei da Água, o Plano Nacional da Água e os Planos de Gestão de Região Hidrográfica em termos municipais) e a importância dos laboratórios, onde toda a comunidade se envolve para proteger os rios livres.
Soluções de restauro ecológico na remoção de barragens também podem ocorrer em vários horizontes temporais.
Por exemplo, as mudanças de curto prazo associadas ao transporte de sedimentos finos a jusante da primeira barreira começam assim que a barragem é desmantelada, e os peixes, cujos movimentos a montante foram anteriormente obstruídos pela barragem, podem migrar para montante dias após a remoção. Em períodos mais longos, mudanças na morfologia do leito geralmente ocorrem para montante do local da barragem devido a fenómenos de erosão. O estabelecimento de uma morfologia do leito em equilíbrio, novas planícies aluviais e vegetação ripária nativa na antiga área da albufeira pode levar muito mais tempo, desde alguns anos a décadas. Similarmente, algumas mudanças na fauna podem ocorrer rapidamente (em poucos dias), enquanto outras mudanças a ocorrem a longo prazo, à medida que as espécies se ajustam às mudanças na forma do rio.
A monitorização pós-remoção é fundamental para demonstrar que os critérios de performance do restauro ecológico pós-remoção estão a ser cumpridos. Dependendo dos resultados da monitorização, poderá ser necessário que sejam tomadas medidas adicionais.
A duração da monitorização é variável conforme a tipologia e dimensão da barragem, condições do rio e do terreno, respostas fisícas, químicas e biológicas, entre outros critérios. Mas, geralmente a monitorização continua até que todos os critérios de performance e resposta ecológica tenham sido seguidos e cumpridos.
As barragens costumam ser entendidas como um sinal de progresso. Essa perceção comum, popular, representa um obstáculo para a missão do GEOTA de preservar os rios selvagens em Portugal? É também uma questão cultural, de desconhecimento dos efeitos negativos ao nível ambiental?
Às barragens está associada a ideia de desenvolvimento tecnológico, económico e até ambiental. Essa perceção é em muitos aspetos equivocada, blinda o debate sobre alternativas e desvaloriza os impactes ambientais e socioeconómicos negativos. Este tem sido o maior obstáculo ao nosso trabalho: desmistificar a inevitabilidade de destruirmos mais recursos naturais em prol do progresso.
Este posicionamento acaba por ser um resultado do que têm sido as políticas de investimento público, assentes na necessidade de aumentar e não adaptar as infraestruturas que temos. Mas também de uma desconexão crescente entre as comunidades e o meio natural, que tem levado à perda da perceção dos serviços prestados pelos ecossistemas. Sabemos que esta mentalidade é resultado da promoção destas obras como positivas, tanto no sistema de educação como na comunicação social, como pelos próprios decisores políticos e por empresas como a EDP. O que tentamos fazer primordialmente é precisamente alterar mentalidades, focando-nos em explicar não apenas os impactes das barragens mas sobretudo as alterativas viáveis em termos de disponibilidade de água e produção elétrica. Mas posso dizer que há alguns anos esse trabalho era bastante mais difícil do que é hoje. Casos como a barragem de Foz Tua, onde muitas promessas foram feitas e poucas foram cumpridas, em detrimento de um património natural e patrimonial único, começaram a alterar a perceção sobre os argumentos dos ambientalistas e das vantagens económicas para as regiões afetadas. O mesmo em relação aos casos de poluição no Tejo, que vieram demonstrar o impacte que a poluição, potenciada pela estagnação da água em albufeiras, pode ter nas comunidades que dependem do rio.
Qual é a importância social, ambiental e económica dos ecossistemas ribeirinhos e de que forma é que estes são afetados pelas barragens?
Os rios são as veias do nosso Planeta. Transportam água e nutrientes, desempenhando um papel muito importante no ciclo da água ao atuar como canais de escoamento de águas superficiais. Bloqueá-los tem um impacte direto em todas as funções dos ecossistemas. Uma barragem transforma os ecossistemas lóticos (de águas em movimento) em lênticos (de água paradas), alterando a heterogeneidade dos habitats e induzindo alterações significativas na qualidade e nos parâmetros físico-químicos da massa de água afetada. Travam as dinâmicas sedimentares, bloqueando o transporte de areias ao longo do rio e que se depositariam na linha de costa. Bloqueiam transversal e longitudinalmente a passagem de fauna, particularmente espécies de peixe migradoras, e fragmentam ainda mais o território para mamíferos como o Lince e Lobo Ibéricos. Afetam igualmente a distribuição de água, com alterações ao nível da recarga dos aquíferos. Podem criar alterações microclimáticas, aumentando a humidade relativa do ar, o que potencia o risco de doenças nas vinhas, tendo implicações no custo do produto final, devido aos tratamentos utilizados. E em geral, impactes climáticos, porque as albufeiras são propensas à emissão de metano, um gás com um potencial de aquecimento global muito superior ao dióxido de carbono, devido à decomposição da matéria orgânica. Para além da implicação social e económica que estes impactes acabam por ter, destaca-se ainda a afetação da prática de vários desportos de águas bravas e a monotonização da paisagem, o que prejudica o turismo da região ao destruir algo que é raro e cada vez mais procurado: um rio livre.
Por outro lado, as barragens também estão associadas ao processo de transição para energias renováveis que é urgente exponenciar, atendendo às alterações climáticas. Esse contributo para as energias renováveis não compensa os efeitos negativos?
Temos de desmistificar o papel das barragens na luta contra as alterações climáticas. Um estudo recente publicado na revista cientifica BioScience concluiu que, devido ao metano libertado nas albufeiras, as barragens podem emitir o equivalente a todas as emissões de dióxido de carbono do Brasil. Para além de emissores de gases de efeito de estufa, as barragens reduzem a nossa resiliência à subida do nível médio das águas do mar. Isto porque travam as areias que os rios outrora transportavam até à linha de costa. Em Portugal, são um dos principais responsáveis pela erosão costeira no litoral.
O uso de energias não renováveis não é a única causa do efeito de estufa de origem humana e, logo, a transição para renováveis não é a única solução. Tão importante quanto isso é a alteração dos modos de produção alimentar, a redução do consumo de carne e a conservação de zonas naturais. Isso tem uma implicação direta na redução de gases de efeito de estufa e na preservação dos ecossistemas, sumidouros naturais de carbono. Mas o espaço para esse debate é substancialmente mais reduzido, porque não têm o mesmo potencial económico dos investimentos nas renováveis. E porque, em última instância, dependem de uma adaptação dos padrões de consumo, algo ainda hoje erradamente associado à perda de qualidade de vida.
É precisamente no último ponto que surge a proteção dos rios, hoje os habitats mais ameaçados da Terra. 81% das populações globais de vida selvagem de água doce foram perdidas, mais do que em qualquer outro ecossistema. Segundo o Ministério do Ambiente, Portugal tem mais de 7 000 barreiras fluviais, desde açudes a grandes barragens. O número exato ainda não é conhecido para todas as regiões hidrográficas, nem as suas características, usos e estado. Recuperar algumas das existentes seria uma das possibilidades à construção de novas, uma vez que a maioria dos impactes ambientais e sociais já terá ocorrido.
Outra das opções seria o investimento em eficiência energética, como o GEOTA tem defendido na última década. Segundo os nossos cálculos, um investimento em projetos de uso racional da energia equivalente à construção das novas barragens, pouparia 1,3 TWh/ano de electricidade. Com um investimento de 220M€, criaríamos uma poupança anual de 150M€, equivalente à redução de mais de 5% da factura eléctrica. A aposta em eficiência energética é de longe a melhor forma de obter energia, como prova a redução sistemática da intensidade energética ao longo das últimas duas décadas na União Europeia, EUA, Canadá, Rússia, China e Índia, entre outros. A aposta nas renováveis e, no geral, a abordagem à necessidade de aumentar a produção elétrica nacional, tem de ser analisada à luz das reais necessidades face aos potenciais de redução de consumos, o que por sua vez tem um impacte positivo para famílias, serviços e indústrias.
Em Portugal, os estudos de impacto ambiental parecem ser uma mera formalidade burocrática, sem capacidade para travar empreendimentos com grande impacto no meio ambiente. Considera que os estudos de impacto ambiental deveriam ser reforçados e blindados relativamente a interesses políticos, empresariais e outros?
Em termos processuais, a Avaliação de Impactes Ambientais é teoricamente adequada. É nesse âmbito que surgem os Estudos de Impacte Ambiental (EIA), aos quais estão associados uma fase de consulta pública e a análise de uma Comissão de Avaliação (CA) constituída por representantes das entidades com diferentes competências e a quem cabe, entre outros, proceder à apreciação técnica do EIA. Já presenciámos casos em que esse processo vai além da mera formalidade burocrática, como foi o caso da mini-hídrica no Rio Vez, em Sistelo, também conhecida como o “Tibete Português”. Este projeto recebeu um parecer desfavorável porque os impactes negativos não compensavam os positivos e não eram passíveis de minimização. E o projeto foi travado. Contudo, estes estudos são encomendados pelo próprio proponente da obra e os resultados da consulta pública e dos pareceres recebidos não são vinculativos, servindo apenas de orientação para a tomada de decisão final, que cabe à Agência Portuguesa do Ambiente. Como e porque é tomada é a fase opaca do processo e, logo, impossível de compreender em que medida está sujeita a esses interesses.
O Plano Nacional de Barragens tem sido motivo de várias suspeitas, envolvido em casos de alegada corrupção que estão a ser investigados. Isso não reforça a ideia de que o interesse público não foi acautelado?
Todo o processo do Programa Nacional de Barragens foi pouco transparente, a começar pela razão pela qual não foram equacionadas outras políticas energéticas como a aposta no solar ou na eficiência energética. Estes investimentos, ditos privados e supostamente rentáveis, acabaram por vir a ser subsidiados publicamente já depois de aprovados. Na Europa, esse apoio ao investimento é frequente no caso das mini-hídricas, mas que nunca encontrámos no caso de grandes barragens, até porque já quase não são construídas. Para além de que a maioria das barragens previstas no Programa Nacional de Barragens é de bombagem, que segundo a legislação nacional e europeia aplicável não pode sequer ser considerada energia renovável.
O GEOTA submeteu, por isso, na Procuradoria Geral da República, uma queixa-crime no ano passado, processo que se encontra em segredo de justiça. Independentemente dos contornos, omissões e permissões que a lei possa oferecer, as decisões tomadas não respeitaram o interesse público. As metas traçadas eram energéticas, o que várias outras soluções tecnológicas permitiriam atingir. Se as decisões estivessem assentes no cariz técnico, provavelmente não teriam sido tomadas. Ter-se-iam observado investimentos mais reduzidos e com menores impactes, ou a aposta na eficiência energética.
Têm sido denunciados vários focos de poluição no rio Tejo, com origem em determinadas indústrias. Considera que a fiscalização e controlo das autoridades têm sido eficazes? E as multas aplicadas são suficientes para impedir a reincidência?
A fiscalização e o controlo das autoridades visam, de modo genérico, a verificação do cumprimento das obrigações das unidades industriais. No nosso entender é a montante que começam as falhas. Por um lado, a gestão partilhada com Espanha e o facto de Portugal se encontrar a jusante, com implicações no caudal afluente. A Convenção de Albufeira (Convenção sobre Cooperação para a Proteção e o Aproveitamento Sustentável das Águas das Bacias Hidrográficas Luso-Espanholas) estabeleceu em 1998 os caudais mínimos e, em 2008, o regime de caudais mínimos trimestrais e mensais. Mas com um conjunto de exceções como em situações de seca. Também o facto de os caudais definidos não corresponderem aos ecológicos, faz com que o Tejo tenha menos água e, assim, agrave qualquer foco de poluição.
Estas condições, para além de reequacionadas, têm de ser tidas em conta na gestão da bacia hidrográfica no que diz respeito à capacidade de carga do Tejo para receber efluentes de indústrias. Aqui entra a análise global das empresas que o fazem e, mediante autorização, terem de ajustar os seus processos de tratamento para assegurar a qualidade do efluente descarregado. As multas só são aplicáveis se verificado que uma unidade industrial está em incumprimento da sua licença, o que se tem verificado difícil de comprovar. E, estando em cumprimento, deveriam ser revistas, pois claramente têm um impacte significativo no meio hídrico. Ou seja, o esforço no reforço da fiscalização e controlo só se traduz nas melhorias do Tejo se as indústrias tiverem licenças adequadas, em quantidade e qualidade, ao meio em que descarregam.
O Programa Nacional de Regadios é uma iniciativa do Governo, apresentada em 2018, que visa criar mais de 90 mil hectares de regadio até 2022. É financiado através do Programa de Desenvolvimento Rural (PDR 2020), pelo Banco Europeu de Investimento (BEI) e pelo Banco de Desenvolvimento do Conselho da Europa (CEB), com um investimento público de 534 milhões de euros. O investimento será feito maioritariamente na região do Alentejo, tendendo a desenvolver e replicar o modelo de agricultura intensiva praticada no perímetro de rega do Alqueva e noutras regiões do território continental, e tem a expectativa de criar cerca de 10 mil postos de trabalho.
As preocupações começam na escolha dos locais para este investimento. Embora o Alentejo seja, sem dúvida, uma potência no sector, é errado investir milhões de euros em modos de produção intensivos, como acontece hoje em dia com o olival e o amendoal intensivos, culturas dominantes no perímetro de rega do Alqueva, ocupando 61% e 14% da área total de regadio, respetivamente. O Programa Nacional de Regadios irá expandir o modelo de agricultura intensiva e os problemas a esta associados para outras geografias. Ainda mais, a aposta neste modelo acarreta demasiadas incógnitas e impactos cumulativos potenciais, que devem ser estudados através de uma Avaliação Ambiental Estratégica, tal como recomendado na legislação nacional e comunitária, de forma a assegurar que os usos previstos são adequados aos recursos hídricos existentes. Ao invés, o Programa Nacional de Regadios assenta na criação e reabilitação de infraestruturas de armazenamento e distribuição de água, desempenhando aqui as novas barragens um papel primordial, em prejuízo da indispensável conservação dos habitats e biodiversidade. Outro impacto negativo e pouco divulgado, que advém do elevado número de barragens existentes, mais de 8 000, é a retenção de sedimentos nas albufeiras, reforçando os processos de erosão da orla costeira e consequente exposição do litoral ao aumento do nível médio do mar.
Os defensores do regadio afirmam que precisamos de água para expandir os sistemas de produção agrícola nacionais. Por outro lado, segundo o Plano Nacional da Água, o setor agrícola é, de longe, o maior consumidor de água, representando mais de 70% do consumo total. É também neste sector que existe maior desperdício de água, de acordo com o Plano Nacional para o Uso Eficiente da Água, que indica existir um desperdício de 38%. Importa referir que, ainda que seja invocada com frequência a necessidade de garantir a autossuficiência alimentar do país, esta estratégia não se parece traduzir diretamente no acesso universal a uma nutrição adequada pela população, havendo défices crónicos de produção de alimentos fundamentais, como leguminosas, de baixo interesse económico.
Ainda mais, o Governo afirma que o “programa criará mais de 10 mil postos de trabalho permanentes, ajudando a fixar populações, criando riqueza e melhorando as condições de vida no interior”. Apesar desta declaração, a taxa de empregabilidade dos locais mais afetados pela expansão do regadio não tem vindo a aumentar, uma vez que os postos anunciados parecem ser ocupados quase exclusivamente por trabalhadores de fora das localidades, que se sujeitam a condições de trabalho pouco interessantes para as comunidades locais.
Em conclusão, levanta-se a questão se será o Programa Nacional de Regadios um investimento devidamente estudado, na medida em que o desenvolvimento do setor até à data parece não bater certo com o objetivo inicial de desenvolver grande parte da agricultura e promover o desenvolvimento rural em Portugal.
Os rios são essenciais ao nosso bem-estar, mas as atividades humanas afetam-nos negativamente, causando a diminuição da qualidade da água e redução da biodiversidade.
Um dos grandes impactos sobre os rios são as barreiras fluviais, construídas com vários propósitos – produção de energia, regadio, controlo de cheias e armazenamento de água. Em Portugal, estima-se que existam mais de 8 mil barreiras à conectividade fluvial – de pequenos açudes a grandes barragens. Estas modificam os ecossistemas ribeirinhos e os serviços que estes nos proporcionam, destruindo habitats, impedindo os fluxos naturais de água e de sedimentos e a migração de peixes e favorecendo a erosão costeira. Muitas estão abandonadas e em desuso.
Várias estratégias e diretivas europeias identificam a necessidade de gerir os recursos hídricos de forma a acautelar os valores ecológicos, socioculturais e económicos, permitindo a preservação e recuperação dos ecossistemas, a conservação da biodiversidade, a gestão sustentável e a mitigação dos efeitos das alterações climáticas. Apesar disso, Portugal insiste numa visão economicista do uso dos recursos hídricos, da qual são exemplos o Programa Nacional de Barragens de Elevado Potencial Hidroelétrico (PNBEPH) e o Programa Nacional de Regadios (PNR).
O PNBEPH, com custos económicos e ambientais muito elevados, nunca justificou a necessidade de aumento de produção energética, o baixo lucro económico e a inexistência de impactos positivos significativos para a sociedade. Entretanto, o investimento em estratégias energéticas sustentáveis que acautelem a preservação dos ecossistemas foi pouco relevante.
Atualmente, o PNR promove a construção de barragens para regadio. Estas, para além dos impactos já referidos, possuem outros relacionados com as práticas agrícolas intensivas. A sua construção implica a transformação da paisagem muito para além da zona de albufeira, substituindo culturas autóctones e habitats explorados de forma sustentável, como o montado de sobro e azinho, por monoculturas economicamente mais rentáveis, muitas vezes não adaptadas ao clima e com necessidades expressivas de água. Os impactos sociais são também evidentes – populações locais pouco valorizadas, domínio dos territórios por grandes empresas e até exploração de trabalhadores migrantes sob condições sanitárias precárias. Resolver estas questões implica pensar em investimentos alternativos – paisagens agrícolas que minimizem o uso da água e maximizem a sua retenção, e que permitam a manutenção dos habitats e da biodiversidade, assegurando também o bem-estar económico e social das populações.
As atividades humanas são os principais responsáveis pelos graves fenómenos de alterações climáticas e da rápida extinção de espécies, sendo por isso urgente repensar a nossa relação com a natureza e alterar as ações sobre os recursos naturais, de forma a salvaguardar o nosso futuro. Urge adotar estratégias que promovam rios livres e saudáveis, por exemplo através de intervenções de restauro fluvial e de processos de remoção de barragens obsoletas, mas também investindo na cooperação transfronteiriça na gestão dos recursos hídricos.
Esta não é uma situação anormal na Europa. Tem existido ao longo dos anos um grande esforço por parte de vários países de identificar onde estão estas barreiras e concluir se ainda têm alguma utilidade, mesmo que não seja aquela com que foram inicialmente concebidas. Por esse motivo, vários países estão a apostar na sua readaptação ou até remoção de barreiras, desde pequenos açudes a barragens de pequena e média dimensão, ou até mesmo grandes barragens.
EUA: + de 1 300 barragens foram removidas entre 1912 e 2015 França: + de 2 300 Suécia: + de 1 400 Espanha: + de 200 Reino Unido: + de 100 (aproximadamente) Holanda: entre 30 – 50
Desde o século XIX, nos Estados Unidos da América, 75 000 barragens haviam sido construídas com mais de 10 metros de altura, o que significa construir, em média, uma barragem por dia, desde que Thomas Jefferson foi presidente. Devido a este número tão elevado de barragens, os EUA tornar-se-iam cada vez mais dependentes em energia elétrica, e por esta razão cada vez construíam mais barragens, pois metade dessa energia era proveniente de centrais hidroelétricas.
Porém, em 1889 deu-se um rompimento numa barragem denominada South Fork. Algo que ninguém conseguiu prever. A ocorrência foi classificada como um desastre natural e matou mais de 2 200 pessoas.
Já foram removidas mais de um milhar de barragens nos últimos 50 anos. As primeiras foram pequenas barragens de exploração mineira em zonas remotas, que há muito tempo se encontravam abandonadas. Porém, em 1999, a demolição da barragem Edwards, no rio Kennebec, estado do Maine, passou a constituir um marco relevante: foi a primeira vez que um aproveitamento hidroelétrico em funcionamento foi desativado. Em Março de 2012, foi completado o maior projeto de remoção de barragens e restauro do ecossistema fluvial nos Estados Unidos com a conclusão do projeto de restauro do rio Elwha (32 metros de altura), no estado de Washington. O principal objetivo da remoção desta barragem é restaurar o habitat de peixes como o salmão. No total, mais de 1 300 barragens foram removidas entre 1991 e 2015, sendo o país com o número mais elevado de remoção de barragens.
FRANÇA
O primeiro caso de remoção de barragens foi em 1996, com a remoção de três grandes barragens (Kernansquillec, Saint-Etienne-du-Vigan e Maison-Rouges). França é o país líder mundial na remoção de barragens abandonadas ou que já não possuem qualquer tipo de utilidade, com mais de 2 300 obstáculos naturalmente ou artificialmente removidos.
Em Setembro de 2011, a Confederación Hidrográfica del Duero desenvolve o projeto de Remoção de Barragens de La Gotera, localizado no rio Bernesga, em Espanha. Esta remoção está incluída na Estratégia Nacional de Restauração do Rio, cujo principal objetivo era assegurar a sua continuidade, fazendo com que tivesse um alcance significativo, visto que atravessa a Reserva da Biosfera do Alto Bernesga, do Programa Man & the Biosphere, da UNESCO.
No total, já foram removidas mais de 200 barragens.
A barragem de Robledo de Chavela, localizada a oeste da província de Madrid, foi construída no rio Cofio para fornecer água para o município de Robledo de Chavela, começando a funcionar em 1968. Em 1990, terminou o abastecimento de água, devido a problemas na sua qualidade. Em fevereiro de 2004, a Confederación Hidrográfica del Tajo comunicou à entidade gestora da barragem, a Câmara Municipal de Robledo de Chavela, a expiração da licença de uso da água devido ao estado de abandono em que se encontrava. Em junho de 2012, a Confederación Hidrográfica del Tajo tomou conhecimento de um escoamento de água na saída da base da barragem. Ou seja, não a foi possível reparar devido à condição irreparável do mecanismo do portão. Devido a esse motivo, a Confederación Hidrográfica del Tajo iniciou os passos necessários para a demolição da barragem. Este processo tem sido acompanhado pelo GEOTA, em conjunto com várias associações e outras entidades, enquanto membro do movimento Dam Removal Europe.
A bacia hidrográfica do rio Pärnu cobre uma área de 6 920 km², correspondendo a 17% do território estónio. Inclui 270 rios e linhas de água afluentes. O rio Pärnu apresenta um comprimento de 144 km e o comprimento total do conjunto de todas as linhas de água que compõem a bacia hidrográfica é de 3 300 km.
Além da barragem de Sindi, o projeto incide no restauro de habitats na bacia hidrográfica do rio Pärnu, removendo mais duas barragens (Vihtra e Jändja), assim como seis barragens de menores dimensões em afluentes, a decorrer entre 2021-2022 e um orçamento total de 15 M€, 85% financiado pelo Fundo de Coesão da União Europeia e 15% pelo Orçamento de Estado.
Há 22 espécies de peixes dependentes das áreas de desova, sendo o maior rio salmonídeo da Estónia, e que deverão ser recuperadas com o desmantelamento da barragem.
A necessidade de cumprir a Diretiva Quadro da Água e legislação nacional de proteção ambiental levou a um compromisso político do Ministro do Ambiente estónio em restaurar vários habitats ribeirinhos atualmente afetados pela retenção das águas através de barragens.
A remoção da barragem de Sindi será acompanhada de medidas de restauro do ecossistema e promoção da biodiversidade ribeirinha.
Características:
Construída em: 1976-77 Custo da Remoção: 10 M€ Dimensões: Largura – 151 m / Altura – 4,5 m Localizada em Rede Natura 2000
Trabalhos de remoção: foram iniciados em setembro de 2018 e estão previstos terminar até ao fim de 2020.
A Barragem de Robledo de Chavela, localizada em Madrid, era uma barragem de abastecimento urbano sem funcionamento desde 1990 devido à má qualidade da água. Em 2012, fugas na barragem impediram o combate a um incêndio que afetou 1 200 ha na área do pântano de San Juan, obrigando os helicópteros de emergência a procurarem outras fontes de água mais distantes.
Características:
Construída em: 1968 Custo da Remoção: 1,4 M€ Dimensões: Altura – 23 m Localizada na bacia hidrográfica do Tejo
Objetivos: eliminar barreira transversal; recuperar a continuidade fluvial; recuperar a vegetação ripícola
Em 2011, da Confederação Hidrográfica do Tejo, foi elaborado o “Projeto de descomissionamento do reservatório Robledo de Chavela no rio Cofio (Madrid), realçando as técnicas e linhas de trabalho estabelecidas na Estratégia Nacional de Restauro de Rios espanhola.
Desenvolveu-se a análise de sedimentos retidos, em julho de 2012. De acordo com os resultados obtidos e levando em consideração as incertezas dos resultados analíticos, as amostras de sedimentos são consideradas compatíveis com os valores-limite de concentração de metais pesados estabelecidos na lei vigente, para lodo de esgoto destinado a uso agrícola. Análise de toxicidade de bioluminiscência (agosto de 2012). De acordo com os resultados obtidos e levando em consideração as incertezas dos resultados analíticos, as amostras de lodo são consideradas compatíveis com os valores-limite de concentração de metais pesados estabelecidos na lei vigente, para o lodo de esgoto destinado à utilização agrícola. De acordo com o teste de toxicidade da bioluminescência, a amostra foi considerada não tóxica.
Autorizações (junho 2012): permissão do Ministério do Ambiente da Comunidade de Madrid para a captura por pesca elétrica e a translocação da ictiofauna de um lado da barragem para o outro. Setembro de 2012: resolução do Ministério do Ambiente da Comunidade de Madrid informando favoravelmente a execução do projeto e declarando-o compatível com o Plano de Gestão do Espaço Protegido da Rede Natura 2000 “Bacia hidrográfica do rio Alberche e Cofio”. Fevereiro de 2013: permissão do Ministério do Ambiente da Comunidade de Madrid para a coleta de rebentos de salgueiros vivos nas margens e margens do rio Cofio. Dezembro de 2013: resolução da Secretaria de Estado do Ambiente sobre a avaliação de impacto ambiental do projeto “Eliminação de Barragem de Robledo de Chavela (Madrid) e restauro do leito e margens do rio Cofio.” Fevereiro de 2014: autorização de ações de descomissionamento da barragem de Robledo de Chavela, da Direção Geral da Água (MAGRAMA).
Plano de atuação:
1.ª fase (atuação de emergência):
Pesca e transferência de espécies autóctones
Construção de bacias de retenção de sedimentos;
Construção da rede de drenagem no leito para decantação de sedimentos;
Melhoria do acesso ao rio e construção de acessos para extração de sedimentos
2.ª fase (restauro do leito do rio):
Extração de sedimentos;
Restituição do caudal com delimitação do leito
Contenção de taludes e plantações
Procedeu-se à plantação de espécies ripícolas autóctones e naturalizadas, como Salgueiro, Amieiro, Freixo, Pilriteiro e Choupo. Houve também lugar à estabilização dos taludes através de técnicas de Engenharia Natural e controlo da erosão das margens e do leito do rio através da aplicação de enrocamento com vista ao aumento da rugosidade da superfícies e consequente abrandamento da velocidade do caudal.
É notório o atual repovoamento das margens pela vegetação plantada, havendo atualmente uma completa cobertura das margens do rio.
Projeto de Restauro do Rio Manzanares, EL Pardo (Madrid)
O rio Manzanares, nos arredores do sítio de El Pardo (Madrid), foi afetado ao longo dos anos por uma série de alterações hidromorfológicas que levaram a importantes mudanças nas condições do leito e da margem do rio. Em conformidade com a Diretiva Quadro Água, e de acordo com os objetivos ambientais do Plano de Gestão da Bacia Hidrográfica do Tejo espanhol, e tendo em conta os efeitos agravados pelas previsíveis alterações climáticas, este projeto foi elaborado tendo em vista a melhoria estado ecológico do rio e a recuperação deste espaço de grande valor ambiental, desde o reservatório do Pardo até a confluência com o ribeiro da Trofa (aproximadamente 6 km), através da remoção de uma barragem e melhoria do estado ecológico deste troço, incluindo a construção de uma rampa para migração de peixes num açude existente.
O objetivo do restauro incidiu no aumento da permeabilidade da linha de água:
Eliminação total ou parcial da acumulação sedimentar e vegetação aí estabelecida;
Renaturalização morfológica da confluência;
Melhoria paisagística do recinto;
Integração do uso e informação ao público.
Entre as ações planeadas, destacam-se as seguintes:
Remoção dos restos da antiga infraestrutura da Praia de Madrid para recuperar a continuidade longitudinal do rio e aumentar a conectividade lateral e vertical do leito do rio;
Recuperação do Domínio Público Hídrico e da área de facilitação de passagem, nos trechos onde existem ocupações, por meio da transladação de cercas e eliminação de obstáculos que impedem o tráfego;
Limpeza e remoção de entulho na área e formulação do acesso que liga a Fase I deste projeto e o anel de ciclismo, gerando um corredor ambiental que ligará o Pardo a Madrid ao longo da margem esquerda do rio;
Saneamento, melhoria da vegetação ripícola;
Plantação e estabilização das margens;
Monitorização ambiental das ações efetuadas.
O restauro encontra-se na fase I do projeto, tendo sido instalados painéis informativos ao longo do acesso ao rio. A fase II foi apresentada publicamente em novembro de 2019.
Algumas barragens podem apresentar-se seguras por dezenas de anos, enquanto outras apresentam problemas sérios antes do fim do período de vida útil. Estudos realizados nos EUA apontam que, em média, os custos de operação de barragens hidroelétricas aumentam consideravelmente após 25 a 35 anos de operação, devido às necessidades crescentes de reparos.
Há inúmeras causas que tornam barragens, mini-hídricas ou açudes obsoletas:
Estrutural e Segurança: deficiências na projeção e/ou construção que levam a que as estruturas possam apresentar problemas de segurança;
Operacional: devido à manutenção ou às condições de operação inadequadas;
Natural: devido a fenómenos naturais, como sismos, que podem danificá-las;
Consequências Ambientais: provocadas a jusante (bloqueio da migração de peixes) e a montante (acumulação em excesso de sedimentos);
Económica: os custos de operação, manutenção ou reparação podem tornar-se superiores aos benefícios económicos;
Equipamento Mecânico: durante quanto tempo comportas, turbinas e outras peças podem resistir antes de atingirem um estado de fadiga ou serem seriamente afetados pela corrosão;
Durabilidade do Betão: embora muitas grandes barragens sejam construídas em terra e/ou em rocha (designadas por barragens de enrocamento), nos casos em que são edificadas em betão há também um tempo de vida útil associado à sua permeabilidade.
Nos Estudos de Impacte Ambiental os benefícios associados à construção de barragens são frequentemente sobrevalorizados e, os custos, minimizados tendo em conta que mais cedo ou mais tarde as albufeiras ficam assoreadas (ou seja, vão acumulando sedimentos), e o custo de manutenção torna-se superior aos benefícios líquidos.
É inevitável a remoção de algumas dessas estruturas, mesmo as grandes barragens, face aos problemas relacionados com a segurança, retenção de sedimentos e custos de operação.